JESUS E O ASSASSÍNIO
“Aquele que lhe disser: tolo, será réu do fogo do inferno”
Mateus 5.22
No dia 20/02/2017, estudávamos o livro de Provérbios em um curso de teologia em uma igreja do bairro Resistência em Vitória/ES, e o tema central da exposição foi Provérbios 1.7, que afirma:
“O temor do SENHOR é o princípio do conhecimento; os loucos desprezam a sabedoria e a instrução”.
À primeira vista, surge uma aparente contradição quando comparamos esse texto com a declaração de Jesus em Mateus 5.22:
“…e aquele que lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno”.
Diante disso, surge a dúvida: se uma pessoa chamar alguém de tolo, insensato ou louco, ela perderá a salvação?
Essa linguagem não aparece apenas em Mateus 5.22, mas em diversas outras passagens do Novo Testamento. A seguir, alguns exemplos — observando que foram utilizados apenas textos em que aparece a palavra grega usada em Mateus 5.22 para “tolo”, a saber, morós ou moré:
- Mateus 7.26 – “E aquele que ouve estas minhas palavras e não as cumpre compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia.”
- Mateus 23.17 – “Insensatos e cegos! Pois qual é maior: o ouro ou o templo que santifica o ouro?”
- Mateus 25.2 – “Cinco delas eram prudentes, e cinco loucas.”
- 1 Coríntios 1.27 – “Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias…”
- 2 Timóteo 2.23 – “E rejeita as questões loucas e sem instrução, sabendo que produzem contendas.”
- Tito 3.9 – “Mas evita questões loucas, genealogias, contendas e debates acerca da lei…”
Assassínio – A mensagem de Mateus 5.21–22
“Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será réu de juízo.”
Nesta passagem, Jesus ensina uma lição profunda acerca do sexto mandamento. Ele inicia dizendo “ouviste” porque a maioria das pessoas presentes no Sermão do Monte não sabia ler. Mesmo entre os que sabiam, as Escrituras não eram acessíveis ao povo comum. Assim, o conhecimento bíblico vinha principalmente pela leitura pública nas sinagogas e pela exposição dos escribas.
Jesus prossegue dizendo:
“Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do Sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno.”
A palavra “Raca” é um termo de desprezo, originado no orgulho. Salomão chama esse tipo de pessoa de zombador:
“Zombador é o seu nome, o soberbo e presumido” (Pv 21.24).
Trata-se de alguém que desdenha do irmão, equiparando-o a algo vil, indigno — quase como um cão.
Já a palavra “louco” (aqui, moré, do grego μωρέ) expressa rancor e ódio. Não descreve apenas alguém comum ou ignorante, mas alguém considerado moralmente reprovável, indigno de amor e de honra — “homem iníquo, réprobo”.
Matthew Henry observa corretamente que Jesus ensina que o uso de linguagem ultrajante contra o irmão constitui um assassinato pela língua. Quando tais palavras são usadas com moderação e boa intenção — para corrigir, advertir ou expor a vaidade e a tolice — não são pecaminosas. Por isso, Tiago diz:
“Ó homem vão” (Tg 2.20),
Paulo afirma:
“Insensato!” (1Co 15.36),
e o próprio Cristo declara:
“Ó néscios e tardos de coração” (Lc 24.25).
Entretanto, quando essa linguagem nasce da ira interior e da maldade do coração, ela se torna a fumaça do fogo que arde no inferno, enquadrando-se na mesma gravidade moral.
Em suma, para Jesus, a atitude de ira contra o irmão é um pecado gravíssimo — tão sério que merece o mesmo juízo associado ao assassínio. As palavras amargas são como flechas que ferem mortalmente (Sl 64.3).
Quem se encoleriza corre o risco do juízo; quem chama o irmão de “Raca” se expõe ao conselho; mas quem o chama de “louco”, no sentido de pessoa profana e condenável, coloca-se em perigo do fogo do inferno — o mesmo destino que deseja ao outro.
Por isso, diante da ira, o caminho cristão é a reconciliação. O amor e a caridade são o ápice da vida daquele que está em Cristo. Jesus conclui dizendo:
“Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão; e depois vem e apresenta a tua oferta.”
(Mateus 5.23–24)
Referências bibliográficas (ABNT)
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução João Ferreira de Almeida Fiel.
Disponível em edições impressas diversas.
STRONG, James. Dicionário Bíblico Strong.
Rio de Janeiro: CPAD, s.d.
HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Matthew Henry.
Vol. 1. Rio de Janeiro: CPAD, s.d., p. 52–53.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado.
Vol. 1. São Paulo: Hagnos, s.d., p. 310–311.
Este texto foi publicado originalmente em juliocelestino.com em 23 de fevereiro de 2017

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